sábado, 29 de outubro de 2011

Palavras de Mia Couto



“Sou escritor e cientista. Vejo as duas actividades, a escrita e a ciência, como sendo vizinhas e complementares. A ciência vive da inquietação, do desejo de conhecer para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude, a capacidade de sentir sem limites. Ambas resultam da recusa das fronteiras, ambas são um passo sonhado para lá do horizonte.  A Biologia para mim não é apenas uma disciplina científica mas uma história de encantar, a história da mais antiga epopeia que é a Vida. É isso que eu peço à Ciência: que me faça apaixonar. É o mesmo que eu peço à literatura.”

“[...] a escrita não é uma técnica e não se constrói um poema ou um conto como se faz uma operação aritmética. A escrita exige sempre a poesia. E a poesia é um outro modo de pensar que está para além da lógica que a escola e o mundo moderno nos ensinam. Sem a arrogância de as tentarmos entender. Apenas com a ilusória tentativa de nos tornarmos irmãos do universo.”

“O segredo do escritor é anterior à escrita. Está na vida, na forma como ele está disponível a deixar-se tomar pelos pequenos detalhes do cotidiano.”

"Na ciência (como em outras actividades) o mais importante não é o que chamamos científico. É o lado humano. Criou-se a ideia de que o cientista é isento de erro, uma espécie de ser privilegiado que apenas trilha pelos atalhos do rigor e da exactidão. Essa aversão pelo erro é o mais grave dos erros. È tão vital errarmos como acertarmos. Devemos afastar o medo de errar. Devemos o gosto por experimentar, mesmo cometendo falhas. A natureza foi evoluindo graças ao erro básico que é a mutação. Se os genes nunca falhassem não haveria a diversidade necessária para a continuidade da Vida. Os processos vitais exigem, ao mesmo tempo, o rigor e o erro. Não podemos ter medo de não saber. O que devemos recear é o não termos inquietação para passarmos a saber.”

“O que pode suscitar uma pequena história é quanto por trás do cientista reside um homem, com suas ignorâncias, suas incertezas e suas crenças tantas vezes muito pouco científicas.”

“Só se escreve com intensidade se vivermos intensamente. Não se trata apenas de viver sentimentos mas de ser vivido por sentimentos.”

“Há quem acredite que a ciência é um instrumento para governarmos o mundo. Mas eu periferia ver no conhecimento científico um meio para alcançarmos não domínios mas harmonias. Criarmos linguagens de partilhas com os outros, incluindo os seres que acreditamos não terem linguagem. Entendermos e partilharmos a língua das árvores, os silenciosos códigos das pedras e dos astros.
Conhecermos não para sermos donos. Mas para sermos mais companheiros das criaturas vivas e não vivas com quem partilhamos este universo. Para escutarmos histórias que nos são, em todo momento, contadas por essas criaturas.”


(Trechos do texto elaborado para crianças lusófonas integradas no programa interescolar "Ciência Viva", Julho de 2004, publicado em COUTO, Mia. Pensatempos. 2. ed. Lisboa: Caminho, 2005, p. 45-49)

· Projeto “Ciência Viva” (Portugal – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica)  http://www.cienciaviva.pt/home/
· Contos: A Ciência e o Risco
· Texto de Mia Couto (na íntegra):
http://www.cienciaviva.pt/projectos/contociencia/textomiacouto.asp






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